Continuo a publicação dos artigos que compõem o meu curso básico de escrita de guião audiovisual, que pode ser encontrado aqui.
No mundo alucinante dos filmes, não nos devemos alhear de um conceito fundamental: a ideia reina. - Jeffrey Katzenberg
Um guião começa sempre com uma ideia.
Esta pode surgir das formas mais variadas: uma linha de diálogo que ouvimos, um personagem curioso que imaginamos, uma notícia que lemos ou uma situação que nos parece interessante. Mas é fundamental que essa ideia exista, e seja adequada para o meio para o qual estamos a escrever.
Como é óbvio, não há receitas infalíveis para achar uma ideia e, muito menos ainda, para achar uma boa ideia.
Felizmente há maneiras de pôr o motor em marcha, pistas que podemos seguir para tornar mais fácil o processo, e maneiras de avaliar se as ideias que temos são ou não adequadas para um guião de cinema ou televisão.
Toda a gente tem ideias
O paradoxo das ideias é que elas são simultaneamente fáceis e difíceis de achar.
É incrível a quantidade de pessoas que já me disseram que tinham uma ideia óptima para um filme. O conselho que eu lhes dou é sempre o mesmo: Então senta-te e escreve-o.
Isso costuma ser um balde de água fria – elas prefeririam que eu pegasse na ideia que me estão a oferecer e só a largasse quando o guião estivesse pronto.
O que essas pessoas, por muito bem intencionadas que sejam, parecem esquecer, é que escrever é difícil e demorado.
Não basta ter uma ideia, mesmo que seja uma boa ideia.
É preciso ter uma ideia que queiramos passar à escrita.
Uma ideia que seja relevante para nós, que tenha a ver com as nossas preocupações, interesses, motivações, anseios. Com os nossos sonhos e medos.
Uma ideia que seja suficientemente cativante para nos levar a passar vários meses sentados à frente de um computador, ocupando todas as horas livres de outras ocupações, em detrimento de estar com a família ou com os amigos.
Essa ideia é difícil de encontrar.
O que faz uma boa ideia
Eu tenho ideias espalhadas por todo o lado: em caixas, em caderninhos, em documentos no meu computador.
Sei que vou escrever algumas dessas ideias, quando for a altura certa; outras, desconfio que nunca passarão disso mesmo – ideias numa gaveta.
O que é que distingue umas das outras? Por outras palavras, o que é que define uma boa ideia para um guião de cinema ou de televisão?
Em primeiro lugar tem de ser uma ideia que eu tenha mesmo vontade de escrever.
Se não for assim, a única coisa que essa ideia me vai trazer é sacrifício, noites mal dormidas, e desculpas para fugir da escrita. Provavelmente nunca chegará a ser terminada1.
E isto mesmo que seja uma ideia genial. Escrever um guião já é suficientemente difícil quando se faz por gosto, quanto mais por obrigação.
Em segundo lugar, tem de ser uma ideia que outras pessoas queiram ver.
A tradição narrativa em que o cinema se insere implica que haja um narrador e uma audiência. Esta pode ser de milhões, como num filme comercial, ou mais reduzida, como num filme de autor destinado a passar em festivais.
Mas não tem sentido escrever para cinema se não pensarmos que, potencialmente, alguma pessoa além de nós vai achar o resultado interessante.
Em terceiro lugar, a ideia tem de ser original.
Isso não quer dizer que ela seja 100% inédita. Alguns milhares de anos de estórias contadas e escritas tornam a originalidade absoluta uma meta inatingível.
Mas a ideia tem de ter alguma coisa de especial, de diferente, de inovador.
Pode ser um personagem, uma relação, o tom escolhido ou o ponto de vista adoptado.
Pode ser a situação de partida, o universo em que decorre, ou uma volta inesperada no enredo.
Idealmente será uma combinação de várias destas coisas.
Ninguém quer escrever uma história igual a tantas outras. E até mesmo o espectador menos exigente exige alguma novidade em troca do tempo que está a dispensar.
Em quarto lugar, tem de ser uma ideia eminentemente cinematográfica ou televisiva, ou seja, que aproveite bem as características específicas do meio de difusão para o qual estamos a escrever.
Uma boa ideia para televisão pode não ser a mais adequada para um filme; uma maravilhosa peça de teatro pode não ter as características certas para uma série de televisão; e aí por diante.
Usar ideias que sejam adequadas para cada meio é uma forma de tornar mais fácil o nosso trabalho ao desenvolvê-la .
Por último, a ideia deve poder ser explicada em poucas palavras.
À falta de melhor palavra, podemos chamar a isso o isco – o resumo daquilo que torna a ideia original e atractiva para outras pessoas.
Esta condição é essencialmente prática.
Quando escrevemos um guião temos uma razoável esperança de vir a convencer alguém de que ele dará um bom filme ou série de televisão.
Mas as pessoas que têm esse poder nem sempre têm tempo para ler o guião completo, ou ouvir as nossas explicações detalhadas. Poder resumir-lhes em poucas palavras o que torna a nossa ideia tão especial é um trunfo importante.
Conclusão
Resumindo, uma boa ideia para um guião/roteiro tem de ser:
Relevante para nós
Relevante para outras pessoas
Original
Adaptada ao meio
Fácil de explicar
Exercício
Tem alguma ideia que gostasse de tentar desenvolver num guião? Quantos destes critérios ela respeita?
A não ser que um contrato nos obrigue a terminá-la num determinado prazo. Nesse caso temos mesmo de fazer das tripas coração e seguir até ao fim.